Vida como relojoeiro
O começo da vida como relojoeiro independente foi um pouco difícil para Daniels, pois o tal colega beberrão que acabara de dispensar era relativamente conhecido, e por isso as lojas lhes davam serviço; agora sozinho, voltou à estaca zero.
Durante quatro anos Daniels trabalhou duro, pegando todo tipo de trabalho disponível, afinal o importante era pagar as contas e, quem sabe, ganhar um pouco de respeitabilidade. Neste meio tempo, conseguiu realizar um sonho: adquiriu um automóvel Bentley antigo.
Este fato pode aparentar ser um detalhe dispensável numa biografia que se propõe a relatar a relação de George Daniels com os relógios, porém, acredite, em se tratando da história deste grande mestre, são pouquíssimas as passagens não relacionadas com o tema – e a compra deste Bentley não é uma delas...
Durante este período de vacas magras, Daniels relata que, apesar de ter adquirido certo reconhecimento pelo mercado, ele se sentia muito desmotivado pelo trabalho, e por isso começou a dedicar um tempo cada vez maior à restauração do seu velho Bentley e a freqüentar encontros de entusiastas de carros antigos. Numa dessas reuniões, em 1960, conheceu Cecil “Sam” Clutton, um diletante especialista em diversas áreas, desde instrumentos musicais a carros antigos, passando, é lógico, por relógios. Desta nova relação surgiu uma forte amizade – que duraria até a morte de Clutton nos anos 90 – e que abriria novos horizontes para Daniels.
Clutton era um aristocrata bastante influente. Por meio do seu patrocínio, Daniels foi apresentado à nata do colecionismo de antigüidades relojoeiras, e teve acesso às mais fabulosas coleções, dentre elas a da Worshipful Company of Clockmakers e do British Horological Institute – associações das quais Cecil Clutton era um dos membros mais destacados.
Deste momento em diante, Daniels especializou-se em restaurações de relógios antigos, tendo efetuados inúmeros trabalhos em coleções particulares de todo o mundo e restaurando toda a coleção da Clockmaker’s Company, que estava praticamente abandonada.
Nesta nova etapa de sua vida Daniels evoluiu em suas habilidades relojoeiras: como muitas das peças levadas às suas mãos estavam em estado deplorável, ele se viu obrigado a aprender confeccionar algumas partes manualmente, e seguindo sua filosofia de reparo, que diz que um trabalho de restauração bem feito é aquele que não é possível de ser identificado, Daniels aprendeu inúmeras técnicas e estilos de fabricação de relógios, bem como o funcionamento de diferentes mecanismos, como as mais variadas espécies de escapamentos, o remontoire, o fusée, ligas metálicas, etc.
Também foi por meio da influência de Clutton que George Daniels conheceu a obra de Breguet, o que iria modificar para sempre os rumos de sua vida.
Fascinado pelo relojoeiro francês, e tendo trabalhado para alguns dos maiores colecionadores de relógios antigos do mundo, que possuíam muitos Breguets, Daniels teve a rara oportunidade de ver, manipular, registrar e até mesmo, em alguns casos, restaurar grande parte das peças produzidas pelo antigo Mestre, o que lhe proporcionou um conhecimento único sobre o trabalho saído da Quai de l’Horloge de Paris.
O envolvimento de Daniels com a obra de Breguet foi tão grande que ele acabou por conhecer George Brown – à época, em 1964, dono da Maison Breguet – e ganhando sua amizade. Com isso, teve livre acesso aos livros da Casa, o que lhe permitiu verificar a procedência e catalogar cada relógio da marca que teve notícia. Esta nova amizade culminou com a nomeação de Daniels como Agente de Breguet em Londres, o que lhe deu certa “autoridade” pública sobre o assunto.
Daniels explica o que o cativou em Breguet:
“Fiquei fascinado por Breguet porque eu havia visto uma ou duas peças e percebi que eles [da Maison Breguet] possuíam uma espécie de delicada compreensão da arte [relojoeira] que ninguém mais era capaz de demonstrar. E então eu aprendi sobre Breguet, e ele obviamente era um homem extraordinário, que não tinha absolutamente qualquer inibição, e não só sabia exatamente o que queria e como chegar lá; ele tinha centenas de homens pela Europa trabalhando para ele, e obviamente era um gênio fazendo o maior número de coisas possíveis. Ele não fabricava apenas relógios de bolso e de parede, ele fazia de tudo na relojoaria. Então era muito interessante aprender sobre isso e eu fui muito bem sucedido nisto.” [1]
E realmente foi bem sucedido neste aprendizado! Aliás, o trabalho de Breguet estava tão bem enraizado na cabeça de Daniels que certa vez, em 1967, numa de seus idas à Maison Breguet em Paris, gostou tanto de certo relógio de mesa que viu por lá, que tirou algumas medidas e o copiou à perfeição em sua oficina, sozinho. O trabalho ficou tão bom que, quando George Brown viu o relógio, catalogou-o nos livros oficiais da Manufatura e emitiu um número para ele, tornando-o um genuíno relógio Breguet – o primeiro em muitas décadas da cessação da produção em série!
Brown ainda ofereceria a Daniels a oportunidade de produzir relógios em nome da Casa Breguet, porém este recusou sob o argumento de que, se fosse fabricar relógios, o faria apenas em nome próprio.
[1] Tradução livre pelo autor. Excerto original: “But I was fascinated by Breguet because I had seen one or two pieces and I realized they had a kind of exquisite comprehension of the art that no one else was able to display. And so I learnt about Breguet and he obviously was the most extraordinary man who was totally without any inhibition at all and not only knew exactly what he wanted and how to get it done, he had a hundred men throughout Europe working for him, and obviously a genius at what he was doing and the greatest possible variety of things. He didn't just make watches or clocks, he made everything horological. And so there was a great deal to learn there and I succeeded very well.” (Daniels, 2004)
George Daniels, MBE - Introdução
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